
Candidato a suceder Juvenal Juvêncio na presidência do São Paulo nas eleições de abril de 2014, o vereador Marco Aurélio Cunha elogiou o maior legado do atual mandatário para o clube: a construção do CFA (Centro de Formação de Atletas) de Cotia. Mas, na visão do ex-diretor de futebol tricolor, é justamente o mau aproveitamento do local que colocou o time na maior crise de sua história.
Segundo Cunha, o CFA é “um Taj Mahal para o futebol brasileiro”. Mas o orgulho exagerado de Juvenal e a pressão por utilizar jogadores lá formados na equipe principal mancharam a gestão. Coisa, em sua visão, de quem está pouco acostumado a trabalhar com futebol.
Na segunda parte da entrevista exclusiva concedida, o vereador fala também sobre como o arquirrival Corinthians é hoje referência e explica as demissões de profissionais como o preparador físico Carlinhos Neves, o fisiologista Turíbio Leite e o fisioterapeuta Luiz Rosan, que participaram das épocas mais vitoriosas do São Paulo. Cunha ainda rechaça críticas contra Milton Cruz e Rogério Ceni na polêmica com Ney Franco, ex-técnico do time.
Confira abaixo o bate-papo com Marco Aurélio Cunha:
Cotia é a menina dos olhos de Juvenal e o time até revela alguns jogadores, mas poucos de fato brilham na equipe principal. O CFA tem sido útil de fato?
Marco Aurélio Cunha: A história do São Paulo traz em sua conta grandes jogadores da base, mas isso é desde 1970. Nunca o São Paulo deixou de revelar jogadores. Cotia é um centro lindo, um Taj Mahal no futebol brasileiro. Porém, o que se gasta lá... E aí você vai falar “vendeu o Lucas por 40 milhões de euros, zerou a conta”. Calma lá! O que nós temos que entender é que o resultado prático do número de jogadores que passa por lá é aquem do esperado. Mas é normal, porque o que fornece é um ou dois em todas as gerações. Você não pode pegar dez jogadores de Cotia da mesma safra e querer que sejam titulares do São Paulo. Alguém contou essa história para o presidente Juvenal, alguém o enganou. E, pior, ele acreditou nisso. Porque ele queria consolidar um time de Cotia no profissional do São Paulo. Eu debati muito isso com ele e ele dizia que eu não gostava de Cotia. Mas é impossível numa faixa etária de 18 a 36 anos ter seis ou sete jogadores de 19 ou 20 anos. Você ganha campeonato com adultos e um ou dois jogadores de revelação extraordinários. Um Hernanes, um Kaká, um Lucas, que surgem para resolver alguma coisa. Aquela ideia fixa de que um dia vamos ter só jogador formado em Cotia é uma utopia que provavelmente derrubou o projeto de vitória do São Paulo.
"Cotia é maior legado que um presidente deixou ao São Paulo. Mas desejo de promovê-la Cotia foi o que derrubou esta gestão"
A gestão de Cotia pode ter colocado o São Paulo na situação atual?
Marco Aurélio Cunha: Cotia é a maior obra do presidente Juvenal, inquestionável. Fica, depois do Morumbi, como maior legado que um presidente deixou ao São Paulo. Mas a forma de interpretar e o desejo de promover Cotia foi o que derrubou esta gestão do futebol. Os treinadores eram sugestionados a aceitar jogadores de Cotia. Inclusive o próprio Ney Franco, que veio das seleções de base para, quem sabe, colocar oito de Cotia lá. Qual foi o resultado disso? Mandaram dois de Cotia embora do profissional. Sem nenhuma razão, absurdo. E hoje há vagas. Com o Muricy tricampeão brasileiro, a placa era “não há vagas”. É difícil você por alguém no time do Corinthians hoje. Está tão claro que o Corinthians não tem vaga que o Pato é reserva. É um time que é time, formado por um técnico competente, com padrão de jogo e que ganhou tudo: “Não há vagas”. O nosso está cheio de vagas e onde está Cotia? O erro é na formação, na gestão, no gerenciamento de Cotia. Como obra, é fantástico. Parabéns eternos ao presidente Juvenal Juvêncio. Já o gerenciamento interno de pessoas e a forma como encararam o processo, totalmente equivocado e caro.

Qual a participação e influência dentro do São Paulo do Milton Cruz?
Marco Aurélio Cunha: A melhor possível. Estava fazendo um texto sobre o Rogério: quando o capitão influi e ganha, por uma fala ou atitude dentro de campo, ele é herói. Quando supera as expectativas, interfere positivamente. Tem até vídeo dele no site do clube insuflando o time à vitória. Aí ele é herói. Quando perde, ele é insubordinado, mau elemento. Olha que coisa interessante! A mesma coisa serve para o Milton Cruz. Quando ele colaborou, trouxe jogadores e montou time, gênio. Quando os erros vão acontecendo, com aval dele ou não, com influência dele ou não... O processo do Ney Franco, que acusa o Rogério e vice-versa, é de total desmando do futebol. As coisas não podem chegar a esse nível. Eu fiquei oito anos e meio no São Paulo e tive inúmeros problemas. Porque é assim. O que nós temos que fazer? Controlá-los. Essa é a missão do chefe. Quando eles vêm à tona e nessa proporção, é porque não tem chefe. O presidente espera dos seus companheiros que resolvam isso. E eles não levam ao presidente essas informações. O presidente acha que está tudo certo. Você conta a história e ele acredita. Na verdade isso mostra, e vale para o Milton, que não há voz de comando. E o Milton fica entre a cruz e a espada. Ele é o informante do presidente. Legítimo, não o dedo-duro. Ele é o sujeito que tem que levar isso ao presidente. Mas ele não combina com o técnico, que não combina com o goleiro, que não combina com o diretor de futebol. O sujeito perde o rumo e começa a errar junto. O Milton não é melhor nem pior que antes, é o mesmo.
Em um eventual mandato do senhor o Milton Cruz seria mantido?
Marco Aurélio Cunha: Não vou nunca antecipar uma decisão tão distante dela.

Na polêmica entre o Adalberto Batista e o Rogério Ceni, o ex-diretor de futebol disse que considerava o elenco do São Paulo bom e que brigaria pelo título. O senhor está vendo de fora, mas qual sua opinião sobre isso?
Marco Aurélio Cunha: É claro que essa opinião é de quem viveu muito pouco futebol. Elenco não significa resultado. A gente tem na história inúmeros times de papel que não ganharam nada. O Flamengo teve um ataque dos sonhos: Romário, Edmundo e Sávio. Não ganhou de ninguém. Os Galácticos do Real Madrid... Quem não entende de futebol ou quem é novo no futebol, para ser mais respeitoso, acha que a figura é quem ganha jogo. Quem ganha jogo é o coadjuvante. A figura decide. Quem ganhou o Mundial do São Paulo foi o Rogério Ceni, como figura. Quem decidiu foi o Mineiro, como coadjuvante. Não há time sem coadjuvante. O São Paulo, na falta de experiência de quem o comandou, imaginou o São Paulo com figuras. Ao contrário, você tem que imaginar o time como competição. Lamentavelmente para o são-paulino, tenho que usar novamente o exemplo do Corinthians: time competitivo. Me fala um jogador do Corinthians, com exceção do Paulinho, que tenha mercado internacional? Não tem. Porque é time de competição. Como foi o São Paulo de 2005 a 2008. Mudou muito, mas era encaixado.
"Ah, o elenco é bom”. Não, o elenco é caro. Bom ele não é. Bom é elenco competitivo"
E o São Paulo hoje?
Marco Aurélio Cunha: Agora o São Paulo não formou time. O São Paulo trouxe dois '10', Ganso e Jadson, e não tem laterais, não tem zagueiros. Aí traz a figura do Lúcio, mas o tempo de bola e o futebol ficaram no passado. A figura não resolve. Se ele ainda tivesse um comprometimento com o clube, uma história a ser reativada, como foi com o Luís Fabiano, ok. O Luís Fabiano, perfeito, contrataram bem. Houve uma série de problemas no meio disso, mas ninguém pode negar que ele é um grande artilheiro, tinha uma história no São Paulo. Méritos para a contratação do Luís Fabiano. Mas não dá para ser tudo assim. Você vê, trouxeram esse lateral-esquerdo, o Reinaldo. Ele é mais ou menos, mas foi lá quietinho e humilde e está jogando melhor que todos. O São Paulo trouxe cinco laterais. Esse é regular, mas vai fazer o papel dele. Não é figura, mas é mais funcional. Então, pra quem não tem vivência no futebol, você compra o álbum de figurinha e quer tirar as carimbadas. Mas você não preenche o álbum sem as outras. O grande erro de gestão foi montar um time com figuras sem pensar no esqueleto, na estrutura tática. Até porque não tem tática. Trocou cinco ou seis treinadores. Aí traz figura para ver se uma hora o time anda. “Ah, o elenco é bom”. Não, o elenco é caro. Bom ele não é. Bom é um elenco competitivo. Não é dizer que os jogadores são ruins, mas não é competitivo. Elenco é ação que promove vitórias. Promoveu? Não, então é ruim.
Nos últimos anos o São Paulo dispensou profissionais vitoriosos como o Turíbio Leite, o Carlinhos Neves e o Luiz Rosan...
Marco Aurélio Cunha: Wellington [Valquer], que pouca gente lembra dele. Analista de desempenho que trabalhava com o Rosan e hoje está na China. Uma das pessoas mais importantes da comissão técnica.

Quais os reais motivos para as saídas deles?
Marco Aurélio Cunha: Do Turíbio, motivo nenhum. Como a fisiologia se esgota em algum momento e o Turíbio é muito mais um cientista do que trabalhador braçal, interpretaram ele como um trabalhador do dia-a-dia e não como cientista que pesquisa e traz novidades. Aí encheram dele porque alguém ficou falando que ele ia pouco e mandaram embora. De manhã, na hora do almoço, sem respeitar 20 anos de trabalho do Turíbio no São Paulo. Uma demissão de forma lamentável. Poderiam ter falado para ele que ele não estava mais encaixando na carga horária, que iam tratá-lo como consultor. Mas, pelo tempo de serviço, tenha respeito ao profissional. O Carlinhos foi porque ele servia a seleção. E que não ia dar para ficar no São Paulo e na seleção.
Hoje ele está no Atlético-MG...
Marco Aurélio Cunha: Está no Atlético-MG campeão da Libertadores. O Wellington, porque era amigo do Turíbio. E o Rosan por atrito pessoal. Mas o problema não é bem esse. Uma comissão técnica tem que ter peso, tem que se bancar. O jogador tem que olhar para o treinador e respeitar. Preparador físico do nível do Carlinhos, do Fábio Mahseredjian, do Corinthians, do Walmir Cruz... São pessoas inquestionáveis. Todo mundo passa, todo mundo vai ficar velho e ter que ceder seu lugar, mas você abrir mão por nada. O São Paulo abriu mão de pessoas porque cansou delas. O São Paulo estava um pouco assoberbado por causa dos títulos e confundiu o comando diretivo com o comando técnico, Começaram a opinar: “Os garotos de Cotia. O Borges não é bom, tem um centroavante lá que é muito melhor. Para que renovar com o Miranda? Lá tem um zagueiro”. E o presidente foi enganado por essas pessoas que punham na cabeça dele coisas que não se provavam. Iludiram o presidente com histórias contadas sem parâmetro e ele, tentando fazer com que Cotia sobrevivesse por um orgulho pessoal, errou a dose. Por influência de quem trabalha lá.
"Não é o capitão? Não é um cara vitorioso? Por que vamos julgá-lo agora a meses de parar? Os resultados são ótimos"
O meia Souza disse recentemente que o Rogério Ceni mudava orientações dadas por técnicos dentro campo. Do que conhece do São Paulo, como é a influência do Rogério lá dentro?
Marco Aurélio Cunha: Mas não é o capitão? Não é um cara vitorioso? Por que vamos julgá-lo agora a meses de parar? Os resultados são ótimos. Falam que o Gerson fazia isso na Copa de 1970. Quando ganha, é herói. Quando perde, é imprudente. Evidente que eventualmente o Rogério percebeu alguma coisa no túnel e disse “não esquece esse negócio, pega o cara lá, não dá espaço”. Ele é goleiro, está vendo, tem uma visão interna. Não há nenhum problema nisso desde que faça conspirando a favor, como sempre fez. Quem disser o contrário é porque não foi melhor que ele.
Mas ele pode, de certa forma, ter queimado o Ney Franco?
Marco Aurélio Cunha: Um goleiro não queima ninguém. O time é que se queima, as ordens é que são queimadas. Não quero falar mal do Ney Franco, mas não posso aceitar um treinador que pega um jogador da Penapolense uma semana antes e põe pra virar um jogo da Libertadores contra o Atlético-MG no Independência. Isso não está no manual de futebol em lugar nenhum. Eu não estou julgando o trabalho do Ney Franco, mas estou julgando um fato concreto. Depois ele colocou o Lucas Evangelista de titular num jogo contra o Corinthians... Nunca jogou! O time começou a Libertadores com uma defesa que era Douglas, Rhodolfo, Tolói e Cortez. Depois teve Paulo Miranda, improvisado, Lúcio, Edson Silva e Juan. Desculpa. Não dá para dizer que é culpa do Rogério Ceni. São os fatos.
Marco Aurélio Cunha disse que equipe de 1986 foi a melhor da história do São Paulo
Qual a melhor forma de aproveitar o Rogério no São Paulo após a aposentadoria dele sem comprometer a imagem de ídolo?
Marco Aurélio Cunha: Todo mundo que está no futebol corre risco quando continua trabalhando. Veja o Dunga. Foi excepcional na seleção brasileira. Perdeu um segundo tempo... Primeiro, foi a geração Dunga. Um rótulo nefasto. É quase um Barbosa na história do futebol brasileiro. Aí o Dunga é capitão de uma outra Copa do Mundo e ergue a taça com palavrão de desabafo: Dunga herói. Aí vira treinador da seleção para resgatar o espírito competitivo perdido em 2006 e resgata. Não faz ligação com mídia, tem uma postura até exageradamente reclusa. Ganhou tudo. Perdeu um segundo tempo contra a Holanda por falhas individuais. Execrado. Olha que dança de comportamento e de imagem. Quem é o Dunga? É o da geração Dunga, é o que levantou a taça depois de 24 anos ou o “péssimo” técnico seleção? Qual a verdade? Então, se um ídolo quer prosseguir, ele está absolutamente sujeito a ter abalos em sua imagem do tempo que jogava. É outra carreira. Esquece o goleiro Rogério, começa o cidadão. É como o Pelé. Absolutamente questionável em frases, falas e posturas, mas para mim será sempre o Rei. O Rogério vai passar por isso, não tem jeito. Mas se ele crer que isso é bom para ele e quer passar por esse risco, acho que tem espaço absoluto. Até porque há uma mediocrização total das lideranças no futebol brasileiro. Acho que ele tem que arriscar.
O senhor era médico do São Paulo nos anos 1980 e acompanhou de perto a geração de Muller e Careca. Aqueles times de 85/86 eram melhores que a equipe campeã do mundo em 92?
Marco Aurélio Cunha: O melhor time que eu vi jogar no São Paulo foi aquele. Conjuntava a velocidade, técnica, poder defensivo e o brilho, a beleza do jogo. Sem nenhuma dúvida foi o maior time do São Paulo que eu vi jogar. Quando você tem um Careca, Muller, Silas, Pita, Oscar, Dario Pereyra... Acabou, não precisa mais nada. Juntou todo mundo de bem e de qualidade técnica. Respeito o time de 1992 do Raí, mas não era tão brilhante.